quinta-feira, 30 de dezembro de 2010

O comércio de cães de raça


Fonte: PETA - Helping Animals: www.helpinganimals.com
Fábrica de Filhotes: Abusando dos Cães para Esquentar o Comércio de Filhotes

Aqueles filhotes de cães e gatos, fofíssimos, que ficam nas pet shops à venda, são difíceis de resistir, não é mesmo? Mas uma rápida olhada em como essas lojas obtém os animais revelam um sistema na qual o preço que o consumidor paga pelo "cãozinho na vitrine" é pouco perto do sofrimento dos animais.
Aquele adorável filhote, provavelmente veio de uma "fábrica de filhotes", um lugar onde não se há controle algum sobre a reprodução dos animais. Não é difícil de encontrar um lugar assim: pode ser um vizinho que tem uma cadela "linda" e quer acasalá-la para "ganhar dinheiro".
Resultado: filhotes que não têm nenhum controle genético, podem carregar alguma doença hereditária e a cadela mãe que não tem descanso: é colocada para acasalar todo cio, ou seja, duas vezes por ano. Algumas até permanecem trancafiadas. Muitos sequer levam os animais ao veterinário. A maioria dos animais (filhotes e adultos) não é socializada. O resultado disso é que muitos filhotes acabam sendo abandonados depois de semanas ou meses, pois os donos ficam frustrados com o animal que adquiriram, aumentando ainda mais a população animal das ruas, tornando-os expostos aos maus-tratos, à fome, ao frio.

Gaiolas, Sujeira e Negligência
Nas fábricas de filhotes os animais ficam em pequenas gaiolas feitas de madeira e arame, cabines de pick-ups ou simplesmente amarrados a uma corda. Como já foi dito acima, as cadelas acasalam duas vezes ao ano e geralmente são sacrificadas quando não conseguem mais ter filhotes. As cadelas e suas crias geralmente sofrem de má nutrição, não têm sequer um abrigo e não têm atendimento veterinário nenhum.
Os filhotes são separados da mãe e vendidos, sendo então colocados em gaiolas e levados às pet shops. Essas viagens podem ser de centenas de quilômetros em pick-ups, trailers, caminhões e/ou aviões, sem comida, água, ventilação, abrigo e espaço para se exercitar. Muitos filhotes chegam a ficar superaquecidos e morrer de calor. Mesmo que uma pet shop jure de pés juntos que não pega os animais de fábricas de filhotes, há grandes chances de que compre de pessoas que têm ligação com essas fábricas, vendendo seus filhotes.
Os filhotes que sobrevivem às condições anti-higiênicas das fábricas de filhotes e ao péssimo transporte até as pet shops raramente conhecem o contato humano que tanto é necessário para se tornarem bons animais de estimação. Por não gastar dinheiro com alimentação adequada, abrigo e cuidados veterinários, as fábricas de filhotes têm um lucro altíssimo.
As condições não melhoram muito quando os filhotes chegam às pet shops. Cães que são mantidos em pequenas gaiolas sem exercícios, amor e contato humano tendem a desenvolver comportamentos indesejáveis e podem latir excessivamente ou se tornar destrutivos e anti-sociais. Diferentemente de sociedades protetoras, as pet shops não se preocupam com o futuro dos filhotes. A falta de leis nesse sentido permitem que as pet shops continuem a vender animais doentes, embora a polícia algumas vezes consegue fechar essas lojas quando se descobre que os animais sofrem de abusos e maus-tratos.

Fábricas e "corretores" fazem grandes negócios

Em algumas dessas fábricas os cães não têm uma cama para dormir e nem proteção contra o frio ou contra o calor. Alguns possuem feridas que não foram medicadas, infecções na orelha e abscessos nas patas. O confinamento e a solidão, algumas vezes, deixam as cadelas loucas.
Existem milhares de "criadores" e de negociadores pelo país, o que gera um movimento grande de dinheiro.
A angústia das raças puras

Algumas pessoas compram cães de determinadas raças por impulso e na maioria das vezes as pessoas sequer lêem a respeito da raça ou estão prontos para o compromisso e as responsabilidades de se ter um animal de estimação. Filmes como 101 Dálmatas e Beethoven, programas de TV como Frasier e comerciais como o do Taco Bell causaram um boom de popularidade de certas raças e, ainda, a maioria dos donos sabem quais são os cuidados necessários da raça que ele comprou. "Toda vez que Hollywood faz um filme de cachorro, aquela raça se dá mal". Quando aumenta a procura por determinada raça, as fábricas de filhote entram em ação e produzem centenas de filhotes daquela raça. Mas, quando o Jack Russell Terrier não é nada parecido com o "Eddie" de Frasier ou o São Bernardo não age como o "Beethoven", os abrigos e CCZs lotam de cães dessas raças, que foram abandonados por seus donos.

A solução para isso seria os verdadeiros criadores castrarem os filhotes que seriam vendidos como pet, ou seja, como animais de estimação. Aqueles filhotes com qualidade para reprodução e exposição não seriam castrados mas, se vendidos, a responsabilidade de sua criação seria do criador, e não do dono. Os compradores, também, não devem comprar de pet shops, mas sim, de criadores sérios. O preço é mais caro, mas, como diria o ditado: o barato sai caro. Nas fábricas de filhotes, os cães são criados para quantidade, e não qualidade, então doenças genéticas e problemas de comportamento que passam de geração para geração são bem mais comuns nesse tipo de criação. Essa situação resulta em contas de veterinário altíssimas para as pessoas que compram esses cães, além de a probabilidade de se ter cães com desvios de comportamento e anti-sociais ser maior. Os treinadores afirmam que nessas fábricas não há a menor consideração a respeito do temperamento do animal. E, no final, as pessoas ou abandonam os animais por não corresponderem ao que queriam ou, simplesmente, os sacrificam.
Inspeções inadequadas

As fábricas de filhotes raramente são monitoradas pelo governo e não existem leis que a proíbam. Cabe a nós mudar essa situação, pelo bem dos animais, não comprando filhotes de pet shops.
Procurando por um companheiro canino

Com milhares de cães e gatos abandonados (incluindo os de raça) morrendo anualmente nos CCZs, simplesmente não existe razão para que os animais se reproduzam e seus filhotes sejam vendidos pelas pet shops. Sem as pet shops, as fábricas de filhotes tendem a desaparecer e o sofrimento dos cães irá acabar. O melhor lugar para se encontram um amigo animal é em um abrigo, em feiras de adoção ou no CCZ da sua cidade.

Medicamentos Retirados do Mercado

Fonte: Unifal-MG

E OS TESTES EM ANIMAIS CONTINUAM, APESAR DO FRACASSO CONTUNDENTE DE TAL PRÁTICA

Recentemente os consumidores foram surpreendidos pela notícia de que alguns dos medicamentos mais novos lançados no mercado foram retirados de circulação. Entre estes estão o Acomplia, o Arcoxia e o Prexige.
O Rimonabanto, princípio ativo do Acomplia, é indicado para casos de obesidade acompanhados de fatores de risco, como diabetes, triglicerídeo elevado e baixo HDL. O laboratório Sanofi-Aventis adverte que o Acomplia (Rimonabanto) não é um medicamento para uso estético. A decisão da suspensão temporária da comercialização mundial do medicamento partiu do próprio laboratório depois que a agência reguladora da Europa, a European Medicines Agency (EMEA), recomendou a retirada do medicamento nos países da União Européia. A agência concluiu que os benefícios do Acomplia não mais superavam seus riscos. Estudos demonstraram que pacientes que utilizaram o medicamento tiveram aproximadamente o dobro de risco de desenvolver problemas psiquiátricos, como ansiedade e depressão, comparados àqueles que não utilizaram o produto.
Já o Prexige e o Arcoxia são Antiinflamatórios não Esteróides inibidores da ciclooxigenase II (Cox-2). O Prexige era indicado para o tratamento de osteoartrite, dor aguda e cólica menstrual, e o Arcoxia para o tratamento de reumatismo, gota, artrite, dor articular e pós-operatórios. A orientação da ANVISA para os pacientes que fazem uso desses medicamentos é que procurem o médico para fazer a substituição do remédio. Em nota a ANVISA justificou o motivo do cancelamento dos registros do Prexige e Arcoxia. Por entender que o perfil de segurança, incluindo as reações adversas hepáticas graves já identificadas,superam a relação risco benefício no tratamento das indicações estudadas, o medicamento Prexige teve seu registro revogado. O Arcoxia teve seu registro revogado somente para a apresentação de 120mg. A ANVISA entende que os riscos desta dosagem, à luz de suas indicações, superam seus benefícios.
O estudo realizado pela ANVISA que avalia a relação “Risco X Benefício” recebe o nome de farmacovigilância, um mecanismo que age no intuito de defender a população quando os riscos de algum medicamento são maiores que seus benefícios. Para a Organização Mundial da Saúde, a farmacovigilância é ciência que concerne as atividades relativas à identificação, avaliação, compreensão e prevenção de efeitos adversos ou qualquer problema possívelrelacionado com fármacos.

Alfenas, 17 de novembro de 2008.

Autores
Ac. Ana Taísa da Silva Pereira (PET Farmácia)
Ac. Lênin Machado Rosa (PET Farmácia)
Ac. Mariana Cirillo Diniz (PET Farmácia)

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E os testes em animais continuam, apesar do fracasso contudente de tal prática.

quarta-feira, 29 de dezembro de 2010

OS ANIMAIS ANTE O NATAL


Espírito: IRMÃO X.


Entretecíamos animada conversação, em torno dos abusos da mesa nas comemorações natalinas, com o parecer do grave Jonathan bem Asser, que asseverava a conveniência de ater-se o homem ao sacrifício dos animais apenas quanto ao estritamente necessário, quando o velho Ebenezer bem Aquim, orientador de grupos hebraicos do Mundo Espiritual, tomou a palavra e se exprimiu conciso:

- Talvez não saibam vocês quanto devemos aos bichos na manifestação do Evangelho...

E, ante a nossa curiosidade, narrou, comovido:

- Há muitos anos, ouvi do rabi Eliúde, que se encontra agora nas esferas superiores, interessantes minudências em torno do nascimento de Jesus. Contou-nos esse antigo mentor de israelitas desencarnados que a localização de José da Galiléia e da companheira nos arredores de Belém de Judá não foi assim tão fácil.

O casal, que se compunha de jovem Maria, tocada de singular formosura, e do patriarca que a recebera por esposa, em madureza provecta, entrou na cidade quando as ruas e hospedarias se mostravam repletas.

Os descendentes do ramo de David reuniam-se aos magotes para atender ao recenseamento determinado pelo governo de Augusto.

Bronzeados cameleiros do deserto confraternizavam com vinhateiros de Gaza, negociantes domiciliados em Jericó entendiam-se com mercadores residentes no Egito.

Acompanhados por benemérita legião de Espíritos sábios e magnânimos, a cuja frente se destacava o abnegado Gabriel, que anunciara a Maria a vinda do Senhor. José e a consorte bateram primeiramente às portas da estalagem de Abias, filho de Sadoc, que para logo os rechaçou com a negativa; entretanto, pousando os olhos malevolentes na jovem desposada, ensaiou graçola irreverente, o que fez que José, apreensivo, estugasse o passo para diante.

Recorreram aos préstimos de Jorão, usurário que alugava cômodos a forasteiros. O ricaço considerou, de imediato, a impossibilidade de acolhe-los, mas, ao examinar a beleza da moça nazarena, chamou à parte o enrugado carpinteiro e indagou se a menina era filha de escravos que se pudesse obter a preço amoedado... José, mais aflito, demandou a frente para esbarrar na pensão de Jacob, filho de Josias, antigo estalajadeiro, que declarou impraticável o alojamento dos viajantes; no entanto, ao fixar-se na recém-chegada, perguntou desabridamente como é que um varão, assim velho, tinha coragem de exibir uma jovem daquela raridade na praça pública. Deprimido, o ancião diligenciou alcançar pousada próxima; contudo, as invectivas de Jacob atraíram curiosos e vadios que cercaram o par, crivando-o de injúrias.

Os recém-vindos de Nazaré, vendo-se alvo de chufas e zombarias, tropeçavam humilhados...

Gabriel, no entanto, recorreu à prece, rogando o Amparo Divino, e diversos emissários do Céu se manifestaram, em nome de Deus, deliberando que a única segurança para o nascimento de Jesus se achava no estábulo, pelo que conduziram José e Maria para a casa rústica dos carneiros e dos bois...

Ebenezer, a seguir, comentou, bem humorado:

- Não fossem os anfitriões da estrebaria e talvez a Boa Nova tivesse seu aparecimento retardado...

E terminou, inquirindo:

- Não será isso motivo para que os animais na Terra sejam poupados ao extermínio, pelo menos no dia do Natal?





LIVRO ANTOLOGIA MEDIÚNICA DO NATAL - Psicografia: Francisco Cândido Xavier - Espíritos Diversos

Filme ALMA

Amigo dos animais e da natureza,

veja ALMA : um filme de extrema sensibilidade, produzido e dirigido por Patrick Rouxel, (do filme Green). Filmado no Brasil.

65 minutos de duração.

segunda-feira, 27 de dezembro de 2010

Carnaval ou a Amazônia sem carne

CARNAVAL OU A AMAZÔNIA SEM CARNE
João Meirelles Filho*


“Posso dizer que não há possibilidade de um cidadão brasileiro dizer em qualquer lugar do mundo que é preciso derrubar um pé de árvore na Amazônia para criar uma cabeça de gado ou plantar um pé de cana ou oleaginosa”-
Luis Inácio Lula da Silva. (Agência Estado 22/02/2008):
Bois apreendidos pelo Ibama na Amazônia dentro da Floresta Nacional do Jamanxin (Nelson Feitosa/Ibama)

Diante de um bife mesmo os mais “conscientes” ambientalistas rendem-se à tentação e se enfastiam de tanta carne. Engole-se a pecuária bovina no Brasil como algo natural, sem notarmos a sua dimensão e urgência. Mais do que cercas e marcos, as fundações do Brasil foram socadas à pata de boi. Jamais o Brasil parou para pensar o impacto de sua decisão pela pata do boi, medir seu impacto social, ambiental e, mesmo, econômico.

Empurramos o problema para o fundo do Brasil, distante das grandes cidades, das telas das TVs... E deixamos terras arrasadas – a Mata Atlântica, a Caatinga, e agora o Cerrado e a Amazônia. Afinal, o Brasil é imenso, as terras, infinitas, e o boi sempre parte da paisagem, não é?

A “quente” última década nos oferece um cardápio picante, com temas novos como as mudanças climáticas e o esgotamento do planeta. São estudos científicos e relatórios internacionais (veja a bibliografia), que desossam a questão e, pela primeira vez, apontam o impacto da pecuária bovina sobre o Brasil e o planeta. Se o tema era visto como bravata de alguns radicais, ocupa crescente espaço, ainda de canapés, longe de ser o prato principal das questões de estado. O Brasil é que não se percebe, é o peão-de-culatra, que nada vê, a boiada adiante, pra trás a poeira...

As mudanças climáticas, a segurança alimentar, a conservação da biodiversidade, a sobrevivência de populações tradicionais, as crescentes desigualdades entre ricos e pobres, o acesso a água, são hoje questões centrais e se relacionam diretamente à maneira que a nossa comitiva conduz a pecuária bovina: de forma extensiva, a ocupar terras infinitas, ao provocar o maior processo de deslocamento de populações tradicionais, e de erosão do planeta Terra.

O que mais me surpreende é que a maioria dos brasileiros acredita que este não deva ser assunto pra se tratar na mesa: é coisa de somenos importância, conversa pra boi dormir. A minha crença particular, – e aqui me apresento como descendente de gerações de pecuaristas, que, inclusive teve sua educação e seu viver por largos anos, onde está o gerenciar uma grande propriedade de pecuária e pilotar churrasqueiras –, é que o tema é indigesto (e inconveniente, deselegante). Há enorme dificuldade em associar as decisões (sempre pessoais) de consumo, especialmente aquelas que locupletam seu estômago, com o destino do planeta Terra (ninguém quer se privar do churrasquinho de fim-de-semana, ou do bifinho- nosso-de-cada dia). O menu degustação, do presidente Luis Inácio Lula da Silva ao colega norte-americano, George W. Bush, em visita ao Brasil, em 7 de novembro de 2005, era um lauto churrasco.

Não há como contestar que se trata do maior gerador de empregos do país e cuja cultura envolve a maior parte dos habitantes do meio rural, presente em todos (todos!) os municípios do país. Mas agora que o Brasil quer se provar não mais moleque de calças curtas, como explicar a 8a economia do planeta e, ao mesmo tempo, o passivo gerado pela pecuária: a violência no campo, a escravização de mão de obra, o desmatamento da Amazônia (e do Cerrado e Caatinga), as queimadas, a informalidade da atividade etc? Pior, ainda quer impor uma agenda ambiental ao mundo, sem fazer a lição de casa. Pelo mundo afora são as churrascarias sulinas – símbolo maior do desperdício – os nossos “embaixadores”.

E no meio empresarial e político esta conversa bonitinha de sustentabilidade vai pelo ralo, toda vez que o prato do almoço é a carne bovina, cuja origem se desconhece (e nem se pretende investigar). Para nos tornarmos um país honesto, para colocar sustentabilidade no nosso cardápio, para valer, primeiro precisamos contar o que comemos no dia de hoje – um mea culpa?

A verdadeira liderança do Brasil no panorama mundial será reconhecida se tratarmos, interna e externamente, a questão da ocupação das terras de maneira madura e com o mesmo nível que se trata a questão das armas nucleares, as guerras mundiais. O Brasil, ao invés de pleitear um lugar no conselho de segurança da ONU deveria cuidar de criar o Conselho Mundial de Segurança Alimentar (e, claro, acabar com a fome em seu quintal).

A pecuária bovina é, em extensão territorial, a atividade humana mais impactante no planeta. E se estamos a consumir mais recursos que o planeta é capaz de prover, tratar da pecuária bovina é a questão mais importante, o prato do dia.


Cada boi, criado extensivamente e sem monitoramento, é uma mina terrestre que destrói nosso futuro. Cada boi, e este país tem mais boi que gente, e daqui a pouco serão 300 milhões de bois e uns 200 milhões de gentes, é um atentando a nossa visão de futuro, a nossa cultura e alegria.

A pecuária bovina é, em extensão territorial, a atividade humana mais impactante no planeta. E se estamos a consumir mais recursos que o planeta é capaz de prover, tratar da pecuária bovina é a questão mais importante, o prato do dia. Afinal, a pecuária bovina (incluindo a comida para alimentar animais) ocupa 2/3 das terras aráveis do planeta e atende (mal) menos de 30% dos consumidores do mundo. A pecuária como fonte de riqueza, efetivamente, beneficia uma pequena parcela de seus atores; atua muito mais como poupança e subsistência.

Dos 850 milhões de hectares do Brasil, a pecuária ocupa cerca de 220 milhões de hectares (cerca de 25%). A atividade é a principal responsável por alterações nas paisagens naturais do Brasil. A Mata Atlântica (que perdeu mais de 90% de sua área) foi principalmente alterada pela pecuária bovina e não pela cana-de-açúcar ou o café. O mesmo ocorre com a Caatinga e Cerrado.

A manutenção de uma pecuária de baixa produtividade agrava a questão. O melhor indicador é a taxa de abate (número de cabeças abatidas pelo total do rebanho). Esta encontra-se atolada próxima dos 20% e dificilmente se moverá para patamares dos EUA, União Européia e Austrália (superiores a 30%).

Na Amazônia, a pecuária bovina extensiva é responsável por ocupar 80% das áreas desmatadas (cerca de 60 milhões de hectares para o boi). No que se refere a mudanças climáticas, se não há concordância quanto a valores (quantos quilos de CO2 um quilo de carne bovina produz) comunga-se que o tema seja urgente (1 - clique para ver referência). Entre os estudos está o do CENA (Centro de Energia Nuclear da Agricultura, da USP), coordenado por Carlos Cerri, de 2009, que avalia as emissões brasileiras. Estas aumentaram 24,6% de 1990 a 2005, obrigando, inclusive, o governo brasileiro a se posicionar.

E a pecuária, graças à forma de digestão do boi (fermentação de gases como o metano no estômago do boi e sua liberação via arroto e pum), responderia por 12% das emissões brasileiras. Outros 51,9% adviriam dos desmatamentos (e queimadas) da Amazônia (e demais biomas), ou seja, somando-se a pecuária e a mudança de vegetação teríamos algo como 2/ 3 das emissões brasileiras, em contrapartida com 1/3 de outras fontes, como a queima de combustíveis fósseis.

Se considerado o aumento do rebanho bovino brasileiro em 15 anos (de 1994 a 2007), este cresceu 26% (de 158,2 mm a 199,7 mm (IBGE), enquanto as emissões do setor agropecuário cresceram 30%. Ou seja, fomos mais ineficientes na maneira de explorar a terra.

Se estes temas eram tratados separadamente, o relatório da FAO e LEAD - Livestock Environmental Development, representa um marco (Steinfeld, Henning et alii). Nas palavras de Henning Steinfeld, Chefe do Livestock Information and Policy Branch: “A pecuária é um dos maiores responsáveis pelos grandes problemas ambientais atuais. São necessárias ações urgentes para mitigar esta situação”. (2 - Clique para ver referência)

Estes e outros temas foram aprofundados pela FAO em seu relatório The State of Food And Agriculture – Livestock in the balance (FAO, 2009). Entre as conclusões está a pressão por dobrar a produção de carne em 40 anos (2050) de 228 milhões para 463 milhões de toneladas. Isto resultaria no aumento de 73% de cabeças de bovinos de 1,5 bilhão para 2,6 bilhões, sem falar de outros animais. Se isto deixa eufóricos os frigoríficos, exportadores e outros, deveria ser motivo de pânico para aqueles preocupados com as mudanças climáticas (nós, cidadãos do Brasil e demais terráqueos).

Se o consumo mundial aumenta (em verdade, explode), as terras disponíveis não aumentam, pelo contrário, a degradação dos solos as torna menos propícias. Outro fator, é que boa parte destas terras estão cobertas pelo que ainda resta de florestas tropicais ou sub-tropicais, em biomas críticos para os povos tradicionais, a conservação da biodiversidade e da água. Nos últimos 60 anos as florestas tropicais foram reduzidas à metade. Pensem nisto! E o Brasil possui mais da metade do que resta, em verdade o maior patrimônio natural do país. Vamos haitizar o Brasil?

A questão brasileira também deve que ser analisada sob o ângulo do consumo: este aumenta de forma consistente (0,5 kg/ano e está em cerca de 36,7 kg – 2007), assim como o peso médio da população e o glutonismo. No cenário de inclusão econômica de milhões de pessoas, deixando a categoria de miséria para a de pobreza, subindo um degrau, das classes E para a D e de D para C, o consumo de carne per capta aumenta substancialmente. Numa perspectiva de 20 anos, o aumento de 0,5 kg/capta/ano, pode resultar em mais 10 kg/capta, simploriamente, para uma população de 200 milhões de habitantes seriam 2 milhões de ton./ ano a mais. Trata-se de elevar o consumo interno de 6,8 milhões ton. para 8,8 milhões de ton./ ano, 29% a mais. E isto sem contar o aumento do consumo internacional, crescente em países asiáticos principalmente. O Brasil já é o maior exportador mundial.

Há 6 fatores que merecem atenção:

a) Dimensões da área utilizada pela pecuária bovina no Brasil – são entre 180 milhões e 220 milhões de hectares. É surpreendente o desinteresse oficial em medir este impacto, o que resulta em uma diferença entre os diversos índices de uma superfície maior que 40 milhões de hectares (maior que 1,5 vezes o estado de São Paulo). Esta “pequena” imprecisão equivale à área de plantio de todas as culturas agrícolas no país fora da soja. Tão importante quanto medir o desmatamento na Amazônia deveria ser monitorar, de forma permanente, a área de 2 pastagem no Brasil e sua produtividade.

b) Migração do rebanho para a Amazônia – Este fenômeno é dos mais impressionantes da história mundial. Nunca uma região recebeu tão grande rebanho em tão curto espaço de tempo. Este cresceu de cerca de 3 milhões de cabeças, que utilizavam, principalmente, pastagens naturais, para 85 milhões de cabeças (28 vezes). E este se deve, integralmente, às áreas desmatadas a partir do golpe militar de 1964. A área hoje aberta, mesmo havendo controvérsia entre os diferentes mecanismos de medição (INPE, IMAZON, EMBRAPA), estaria próxima de 70 milhões de hectares. Trata-se de uma superfície maior que os estados de RS, SC, PR, SP, RJ, ES somados! Se fosse na Europa seria maior que Alemanha e Itália juntas. Desta área, entre 70 a 80% estariam dedicados à pecuária bovina extensiva, com diferentes graus de aproveitamento. Se esta abriga um rebanho de 85 milhões de cabeças, onde cerca de 10 milhões seriam de gado clandestino, teríamos 1,21 cabeças/ha (não se trata de uma medida técnica, que exigiria contabilizar unidades animais e não cabeças, mas aqui é apenas para promover um raciocínio que poucos querem se dar ao luxo de ter). Ora, se a EMBRAPA, EMATER e outros organismos apresentam que facilmente se pode chegar a 3 cabeças/ha, por que necessitamos de tantas áreas desmatadas e de mais áreas de floresta tropical convertida em pasto?

c) Abandono das áreas tradicionais de pecuária na Amazônia – resultado, principalmente da capacidade de modernização de regiões de pastagens naturais de várzeas, do Marajó e campos naturais. O esgotamento do modelo de exploração extensivo, onde não há mais espaço para gado sem padrão (falta de padronagem, idade avançada, falta de melhoramento genético, falta de manejo, insuficiente aplicação de vacinas, uso de sal mineral e complementos, etc.) é fator decisivo.

d) Continuidade da expansão da fronteira agrícola na Amazônia – mesmo esgotados os modelos de expansão da fronteira pioneira como política pública de “ocupação” da região, novos clusters de mineração, hidrelétricas, bioenergia, estradas e linhões, em dimensões espetaculares retomam a ocupação, e consolidação da fronteira agrícola. Afinal, estão previstos pelo menos 100 grandes empreendimentos nos próximos 10 anos. A injeção de pelo menos R$ 200 bilhões em capital e a forte migração forçarão o aumento do rebanho, que, ocupará áreas próximas aos novos centros de consumo (mais desmatamento).

e) Consolidação dos assentamentos rurais – são mais de 2.546 (2009) na Amazônia, ocupando área superior a 25,1 milhões de hectares (equivalente ao estado de São Paulo) e atendendo população superior a 500 mil pessoas, com impacto pouco conhecido e discutido (vide IMAZON). Sucede que cerca de 1/5 dos desmatamentos são provenientes destes assentamentos. Especialmente quando se considera que a maioria das áreas abertas é dedicada à pecuária extensiva (mais de 80%).

f) Políticas públicas que não relacionam pecuária com devastação ambiental e caos social – a falta de políticas públicas de longo prazo, e consistentes, está diretamente relacionada a quem controla o poder nos diferentes organismos, em todas as esferas do executivo, legislativo e até no judiciário, onde boa parte possui relação direta com a pecuária bovina (a sua poupança, ou sua origem), e a quem não interessa mudar o status quo. Pode-se denominar este fenômeno como o “olhar bovino da esfera pública”. Esta turma evita que o boi seja tratado como tema público, de segurança nacional, pois fere seus interesses privados. A proposta é empurrar a questão do boi com a barriga, para as próximas gerações decidirem, pra depois do carnaval (carne vale – do latim, que poderia ser traduzido por “adeus à carne”, o período sem carne).

Não surpreende, desta forma, que os avanços da despecuarização da região estejam relacionados a gatilhos exógenos ao sistema, sejam resultantes do trabalho de organizações ambientalistas (Greenpeace, Repórter Brasil, Amigos da Terra etc.), ou, surpreendentemente, por grandes redes de supermercado (principalmente o Wal Mart). Ao Ministério Público, federal e estadual, deve se computar o mérito maior, como defensores da causa pública, ou mesmo por novos fatores como o plantio de culturas permanentes (dendê, eucalipto), ocupando áreas ínfimas diante do espaço que o boi come ao planeta.

Como mudar este cenário?

Se as mudanças não surgirem do próprio setor pecuarista – de seus empresários, executivos, técnicos, pecuaristas familiares – estas dificilmente serão implementadas. Numa região onde o estado é ausente, não há como esperar que o estado atue de maneira transformadora. Primeiro, deve se fazer presente!

Outros setores da sociedade podem até se mobilizar para contribuir, apoiar, ou pressionar, mas cabe ao próprio setor rural, numa revisão de seu papel, apresentar nova proposta, novo contrato com a sociedade. Três dimensões apontam caminhos. A primeira são projetos piloto, de pequena dimensão diante do desafio: O Programa Carne Orgânica do Pantanal (WWF e a Associação Brasileira de Pecuária Orgânica (ABPO); O Programa de Município Verde (Imazon, TNC, Fundo Vale e outros); a ampliação do Cadastro Ambiental Rural (CAR); O I Katu Xingu (ISA), o Cadastro de Compromisso Socioambiental (CCSX) do Xingu (Aliança da Terra, IPAM, WHRC, IFC, JBS).

A segunda é a das novas alianças intersetoriais, os fóruns de discussão e negociação (Conexões Sustentáveis – Pecuária; e do Grupo de Pecuária Sustentável). A terceira refere-se ao surgimento de certificações dedicadas ao tema. Há grande esperança na recém lançada – de 16 de novembro de 2010 – SAN - Norma para Sistemas Sustentáveis de Produção Pecuária (SAIN, Imaflora, Amigos da Terra, Rainforest Alliance, outros).

Tudo isto é pouco perante o imobilismo das organizações públicas e a falta de realismo das organizações empresariais do setor. Os novos desafios – mudanças climáticas, explosão do consumo, continuidade de desmatamento, a concentração de renda e poder – exigem respostas urgentes para a pergunta como modernizar o setor? Está na hora de renegociar o “negócio pecuária” à luz das prioridades socioplanetárias, repensar as cadeias de valores, a presença do estado e os mecanismos de monitoramento e regulação.

Propostas para a Amazônia
Para avançar de maneira consistente é preciso:

a) Estabelecer pacto para a pecuária bovina – negociar a retirada de tão vasto território para o boi – o Brasil (e a Amazônia em especial) precisa ter metas estabelecer metas para diminuir a área de impacto, de forma consistente; um sistema tributário eficiente (via ITR) contribuiria para coibir terras de baixa produtividade e apoiar aquelas para a conservação ou outros usos florestais. Metas drásticas, e um sistema de indicadores e monitoramento.

b) Reforçar e modernizar a assistência técnica – fortalecer “pra valer” os organismos de assistência técnica (hoje principalmente na esfera estadual). É vergonhoso o estado das atuais EMATER. No nível municipal na Amazônia inexiste tais sistemas (são cerca de 600 municípios)

c) Criar a Escola de Gestão Agrícola – É preciso investir de forma consistente para criar a “Fundação Getúlio Vargas da gestão agrícola”.

d) Fortalecer as Escolas Técnicas Agrícolas - estas precisam alcançar o nível de realismo que os novos desafios apresentam (incluir questões como sociodiversidade, mudanças climáticas e justiça social); e) Incluir a Sustentabilidade Rural no Currículo escolar – a sustentabilidade da pecuária (e dos negócios rurais) deve ser discutida no currículo escolar, pelo menos no meio rural e nas pequenas cidades.f) Modernizar as organizações associativas e sindicais – a maior parte das organizações associativas e sindicais carece de alternância, participação de jovens e visão sistêmica. É preciso investir para incluir os diferentes setores da atividade e garantir processos democráticos e participativos, que incorporem os novos desafios globais;g) Democratizar o debate sobre a pecuária – o debate é muito elitista, a maior parte, mesmo dos pecuaristas (principalmente os pequenos, a imensa maioria), não participa e não compreende as questões envolvidos e suas dimensões. Qualificar os representantes e lideranças locais para o debate é fundamental para este processo democrático. É fundamental, ainda, contar com representantes de assentados e de comunidades tradicionais; h) Oferecer plataformas de comunicação e de conteúdo gratuito para a tomada de decisão – via internet, rádio, televisão, enfim, utilizar as novas mídias para este desafio.

Como propõe o pesquisador Paulo Fernandes (em recente palestra FAEPA, AMAZONPEC 15/9/2010), da EMBRAPA Amazônia Oriental, a globalização do mercado deve ser compreendida em novo contexto, a saber: se pensarmos sistemas como sistemas locais, estaremos fora do mercado. Os mercados são mundiais – embargos de toda ordem são ameaça – fazer o dever de casa ambientalmente aceitável, social, sanitário... Ou nos adequamos a regras internacionais ou estaremos fora do mercado!

Mas, antes de tudo, é preciso aceitar, como primeira parte da lição de casa, que existe uma enorme divida social e ambiental provocada pela atividade.

*João Meirelles Filho, empreendedor social, diretor geral do Instituto Peabiru e autor Livro de Ouro da Amazônia, Ediouro, 2007. Este artigo é parte de um estudo apoiado pela Fundação AVINA para repensar a pecuária da Amazônia.

Bibliografia

Agence France-Presse; Eat a steak, warm the planet (18/07/2007) http://www.afp.com/ francais/home

Aliança da Terra - http://www.aliancadaterra.org.br/,. AMIGOS DA TERRA AMAZONIA BRASILEIRA; O Reino do Gado – uma nova fase da pecuarização da Amazônia brasileira; São Paulo; 30 pg. Jan 2008

_________; A hora da conta: Pecuária, Amazônia e conjuntura; São Paulo; Abril 2009 FAO/LEAD; Steinfeld, Henning et alii; Livestock Long Shadow, Environmental Issues and options - The Livestock Environmental Development (LEAD); Roma, Itália; 408 pg, FAO; The State of Food And Agriculture – Livestock in the balance; FAO, Roma, 2009, ISSN 0081-4539.; Roma, Itália; 78 pg

Goodland, Robert e Livestock and climate change - What if the key actors in climate change are cows, pigs, and chickens? , Worldwatch, Nov-Dez 2009, pg 11-19, www.worldwatch.org/ ww/livestock

Global Canopy Foundation – Forest Footprint Disclosure - http://www.forestdisclosure.com. Comentário: Importante abordagem sobre commodities, nas quais a carne se insere.

Greenpeace - http://www.greenpeace.org/brasil/pt/Documentos/Farra-do-Boi-na-Amazonia/

IPAM - ALIANÇA DA TERRA; CCSX; IPAM; WHRC. Critérios, indicadores e meios de verificação para classificação das propriedades no Cadastro de Compromisso Socioambiental do Xingu. Fevereiro, 2009. http://www.ipam.org.br/biblioteca/livro/id/47

ISA – Instituto Socioambiental – Instrumentos Econômicos e Financeiros como fator para a Conservação Ambiental no Brasil, Uma Análise no Estado da Arte no Brasil e no Mato Grosso, 2007; http://www.socioambiental.org/banco_imagens/pdfs/10295.pdf

Lappé, Francis Moore; Diet for a small planet (1st Ed 1971), Small Planet Institute. http:// www.smallplanet.org/books/item/diet_for_a_small_planet/

Livestock Emissions and Abatement Research Network http://www.livestockemissions.net/ - Comentário: ainda que não haja atualização adequada deste web-site há diversas questões importantes aqui levantadas, que podem ser complementadas estudando o tema nos web-sites da Embrapa e outros.

MEIRELLES Fo, João; Livro de Ouro da Amazônia; Ediouro, 1a Ed 2004, 5a Ed 2007, Rio de Janeiro, RJ

Osava, Mario; Cattle, the ignored predator, IPS, 11 Nov 2009; Rede de Agricultura Sustentável – SAS e Rainforest Alliance;

SAN Norma para Sistemas Sustentáveis de Produção Pecuária Julho 2010.do’ http://www.imaflora.org/upload/repositorio/ SAN_Norma_para_Sistemas_Sustentaveis_de_Producao_Pecuaria_Julho_2010.pdf www.sanstandards.org

REPORTER BRASIL - http://www.reporterbrasil.org.br


Fonte: http://www.institutoninarosa.org.br/textos/368-carnaval-amazonia-sem-carne

sábado, 17 de julho de 2010


No Inferno, todos vestem roupas brancas


por Denise Terra

Ainda não amanheceu, estamos diante da chuva e do frio do inverno gaúcho à espera do ônibus que irá nos guiar até um dos maiores matadouros do RS. Somos estudantes de medicina veterinária, cursando uma disciplina obrigatória de inspeção de produtos de origem animal. A maioria de nós encontra-se eufórica, à espera dos ‘momentos emocionantes’ do dia. Eu estou em um canto, sendo observada de perto pela professora e o coordenador do curso, que ao saberem que sou vegana e ativista, temem que eu tenha um colapso na linha de matança.

Entramos no ônibus e seguimos viagem. No caminho, a sensação de que as cenas que eu teria que presenciar não seriam diferentes daquelas filmadas clandestinamente em matadouros ao redor do mundo, e ao mesmo tempo o sentimento inequívoco de que estaria prestes a presenciar uma série de crimes considerados ‘necessários’ pela humanidade.

Chegamos! Ao abrir a porta do ônibus, já somos tomados pelo impregnante odor adocicado da matança das aves que ocorre dentro do estabelecimento. Adentramos o local, após termos vestido roupas brancas especiais, e começamos a visita no sentido contrário ao fluxo produtivo para evitar contaminações no produto final. Trata-se de um corredor estreito, com o pé direito baixo, quase um túnel, que desemboca em uma luz amarela intensa, para repelir insetos. Nossa guia, então, abre a porta e entramos na parte final da produção. Um sistema complexo de esteiras e ganchos, chamados nórias, passam por nossas cabeças, e neles estão fixadas pelas patas as carcaças de frango, que pingam incessantemente uma gordura fétida acrescida da água hiperclorada utilizada em sua higienização.

Sob as esteiras estão os funcionários que trabalham em pé, diante de uma bancada, na maioria mulheres, que nos olham com curiosidade e espanto. A expressão em seus rostos é de uma tristeza marcante, mesclada pelo cansaço físico dos movimentos repetitivos que têm que executar diariamente. O barulho do local é ensurdecedor e, conforme andamos, o cheiro forte torna- se cada vez mais desagradável. Em cada bancada, os funcionários devem desempenhar uma função, chamadas de linhas de inspeção, que são classificadas por letras do alfabeto. Em cada letra ocorre a retirada padronizada de determinados órgãos. Um grupo de mulheres, muitas sem luvas, trabalham retirando com as mãos, com uma destreza impressionante, a vesícula biliar das carcaças em processo de evisceração. Mais adiante, outra funcionária dedica-se a ‘pescar’ com uma barra de metal as carcaças que caem no chão, para destiná-las à graxaria, onde serão transformadas em produtos não-comestíveis. Durante a passagem das nórias podemos observar que cada uma apresenta uma marcação com uma cor, o que serve para fazer a contagem final dos frangos por produtor e repassar o lucro referente ao dia.

Uma máquina especial remove toda a carne restante presa nos ossos, que farão parte da liga que irá compor os caros e adorados nuggets. Estamos agora diante dos chillers, equipamentos responsáveis pelo aquecimento seguido de um resfriamento rápido das carcaças, com a finalidade de eliminar contaminantes biológicos da carne. Os chillers nada mais são do que grandes piscinas vermelhas de sangue com partículas de gordura que ficam boiando na superfície, onde os frangos ficam embebidos.

Olho para o chão e tudo o que vejo é sangue e uma quantidade absurda de água que parece verter de todos os lados para a limpeza das carcaças – estima-se que para a limpeza de cada carcaça de frango se gaste em média 35 litros de água! Desvio o olhar para cima e vejo carcaças sangrentas passando por minha cabeça, pois estamos nos aproximando do início do processo, quando começam a surgir aves com cabeças e penas, que são retiradas em uma máquina específica, o que deixa o chão lotado de penas brancas.

Nossa guia nos avisa que estamos chegando à linha de matança. Há uma diminuição abrupta da luz, onde funcionários trabalham quase no escuro. Os índices de depressão dos funcionários que exercem essa função são extremamente elevados, devido à insalubridade. Trata-se do início do processo de insensibilização. A luz é reduzida com a finalidade de reduzir a atividade e o estresse dos animais, que são extremamente sensíveis a este estímulo. A esteira segue com as aves penduradas na nória pela pata, de cabeça para baixo e agora passam por um túnel, onde sofrem eletronarcose – isto é, são molhadas e eletrocutadas, de modo que isso as atordoe, mas sem causar a morte. As galinhas seguem estáticas pela esteira, onde logo encontram uma serra, que fica presa a uma espécie de roda, e têm suas gargantas cortadas. Nossa guia nos explica que dependendo do tamanho das aves a altura da lâmina deve ser ajustada, para reduzir a margem de erros no corte mecanizado.

Na sequência, algumas galinhas encontram-se com o pescoço intacto, enquanto outras, mesmo com a traquéia perfurada, começam a se mexer, visivelmente conscientes. Um funcionário tem então como tarefa cortar o máximo de pescoços de galinhas que falharam na serra automática, mas a esteira passa em uma velocidade assustadora, são muitas aves que devem morrer hoje para atender à demanda do mercado, cada vez mais voraz por carne de frango. Não há tempo para cortar o pescoço de todas as intactas, nem de abreviar o sofrimento daquelas que se debatem. As aves seguem para serem escaldadas em água fervendo.

Fomos levados ao local do recebimento das cargas. Vemos caixas e caixas com mais aves do que espaço interno, em algumas há mais de dez animais. São tantas que muitas estão fora das caixas, respiram ofegantes, com o bico aberto pelo estresse e pelo medo. Elas estão há dez horas em jejum, sendo permitido o abate somente até doze horas após o início do jejum. O trabalho segue em ritmo frenético. Uma colega encontra uma galinha solta e a pega, colocando-a, de forma orgulhosa, em outra caixa que segue na esteira rumo à serra automática, emitindo um comentário de que estava feliz por ter conseguido pegá-la. Descemos as escadas e nos deparamos com o caminhão que as trouxe. Somos instruídos a não passar muito perto, pois poderíamos ser bicados pelas aves apinhadas dentro das caixas. Nos afastamos um pouco e, em poucos momentos, vemos aves soltas em cima do caminhão. Elas tentam voar mas não conseguem, e muitas acabam caindo direto no chão. Um funcionário aparece com um gancho e as junta pelas patas, como se fosse inços em meio a grama. Violentamente, ele junta o máximo de aves que pode pegar com cada mão. As aves estão penduradas apenas por uma das patas. Então, alguém lembra que ele poderia ser mais delicado e pensar no ‘bemestar’ animal, afinal, deste modo, os frangos podem apresentar lesões graves como rupturas e fraturas, o que compromete o retorno financeiro pela carcaça.

Somos encaminhados para uma espécie de área de descanso dos funcionários, onde esperamos pelo veterinário responsável pelo setor de suínos para nos acompanhar na visita deste setor. Neste momento uma funcionária, escorada por mais duas colegas, passa em estado de choque por nós. Ela estava sangrando muito na mão. Acabou de sofrer um acidente de trabalho. Ela chora muito, a lesão parece grave. Uma colega nossa se manifesta rindo, dizendo que não vai comer o frango que ela estava eviscerando na hora que se machucou! Muitos acham graça e riem. Mais à frente vejo uma placa dizendo ‘Estamos a ZERO dias sem acidentes de trabalho’ e, logo abaixo, ‘Recorde sem acidentes:83 dias’.

No setor de suínos, passamos pelo mesmo ritual de antissepsia e adentramos outro corredor estreito com luzes amarelas. Meu nariz ainda está impregnado com o cheiro da morte das galinhas e meus ouvidos ainda não se acostumaram ao barulho estridente das máquinas, que são fortemente audíveis mesmo com o uso de protetores auriculares. Uma porta se abre, e atrás do veterinário estão centenas de carcaças de porcos mortos pendurados pela pata traseira, passando pela esteira. O tamanho do animal impressiona. O veterinário nos conta que ali são abatidos 2350 suínos por dia! Os funcionários agora são em sua grande maioria homens, muitos aparentemente se orgulham de sua função, e riem enquanto serram o abdômen do animal e retiram as vísceras. Neste setor a esteira anda mais lentamente, devido ao tamanho do animal e a menor quantidade de animais que estão sendo abatidos, quando comparado ao setor de aves. Há sangue por tudo.

Para caminhar, temos que desviar das carcaças de 100 kg penduradas sobre nossas cabeças. Os funcionários realizam seu trabalho em etapas específicas da produção, uns arrancam a cabeça, enquanto outros em outra parte da sala removem os órgãos internos e outros ainda são responsáveis pela identificação de qual cabeça pertence a que corpo, através de um sistema de numeração para posterior inspeção de possíveis lesões que possam causar danos à saúde pública. Mais à frente vemos uma impressionante sequência de dezenas de porcos abatidos subindo de uma andar ao outro pelo sistema de esteiras. Somos convidados a ir até o andar de baixo onde ocorre a sangria. Para chegarmos lá temos que descer uma escada helicoidal estreita e escorregadia, devido à presença de gordura suína sob nossas botas. No meio desta escada existe uma espécie de calha por onde passam os animais mortos, ainda cheios de sangue. Nossa roupa está tapada de respingos de sangue.

De repente a temperatura do ambiente muda e começamos a sentir um calor e um barulho atípicos do lugar. Olho então para frente e vejo a cena de uma carcaça pendurada por uma pata passar por uma espécie de jogo automatizado de chamas. Durante os poucos segundos que dura o processo, podemos ver as carcaças envoltas de uma labareda azul, e sentimos um forte cheiro de pêlo queimado. As labaredas são utilizadas para eliminar os resquícios de cerdas após a remoção dos pêlos, previamente removidos por um sistema de borrachas. Chegamos finalmente na sangria. Os gritos estrondosos dos animais deveriam fazer qualquer um perceber que não é possível existir bem-estar diante da banalização da morte. Ao invés disso, muitos riem cada vez que um suíno é grosseiramente empurrado por um funcionário, munido de uma vara capaz de disparar choques de baixa intensidade, em direção a uma espécie de escorregador totalmente fechado dos quatro lados. No fim do escorregador está um funcionário de aparência assustadora com uma barra com uma espécie de ‘U’ na ponta. O ‘U’ é encaixado na cabeça do animal e suas pontas ficam em contato com a região temporal do crânio, onde um choque de grande intensidade é disparado. O animal cai como uma pedra, gerando um barulho característico de seu corpo desabando sobre a esteira metálica. Muitos apresentam contrações involuntárias nas patas, e parecem estar dando coices. Com uma destreza impressionante o funcionário seguinte corta a garganta do animal. Através do orifício na traquéia jorram litros de sangue. O veterinário nos explica que neste momento o animal ainda não está morto, mas que “conforme as boas práticas de bem-estar animal, estes devem morrer dentro de no máximo seis minutos”, após ocorrer a total eliminação do sangue pelo bombeamento cardíaco. Na verdade, o real motivo para que não se aceite a morte do animal em tempo superior a este, é evitar que a carcaça fique PSE – ‘pale, soft, exsudative’, ‘pálida, friável, exsudativa’, pois este tipo de produto não apresenta a qualidade necessária exigida pelo mercado, e consequentemente há perda nos lucros.

Somos levados até os currais onde podemos ver os suínos vivos serem empurrados para o escorregador. Eles estão em pânico, uns sobem sobre os outros, enquanto nos olham fixamente nos olhos com a real expressão do horror. Os gritos tornam-se cada vez mais altos e o funcionário os empurra com o bastão de choques. Mais atrás está outro funcionário com uma espécie de relho feito de sacos plásticos, e o desfere contra o lombo dos animais para estes andarem na direção da matança. O veterinário nos explica que o relho é feito deste material para não machucar os animais. Isto constituiria crueldade, algo condenável pelo ‘bem-estar animal’, valor muito importante dentro da empresa, e que poderia acarretar em lesões cutâneas, afetando negativamente o valor da carcaça.

Por fim, podemos ver os currais de chegada, onde os caminhões descarregam diariamente os animais para o abate. É neste local que deve ser feita a inspeção ante-mortem pelo veterinário da inspetoria. De acordo com os preceitos da humanização da morte, todos aqueles animais que chegam com fraturas na pata e que não conseguem mais se locomover adequadamente devem ser removidos em separado e enviados para a matança imediata, isto é, devem ter o direito de ‘furar a fila’ a fim de que o seu sofrimento seja abreviado. O veterinário, com muito orgulho, faz questão de dizer que “o processo precisa ser feito”! E que já que é necessário, “é preciso fazê-lo com dignidade e respeito pelos animais”; Ele ainda afirma que na indústria é possível assegurar que estes animais não passam por sofrimento, e que o seu fim é muito menos cruel do que seria se fossem predados por um leão na natureza!

Neste momento, é difícil conter o riso diante da tortuosidade do raciocínio exposto. Em local algum do mundo teríamos mais de 2000 suínos sendo predados em cadeia por leões vorazes, sistematicamente, todos os dias. Ao que consta, leões não têm a capacidade de raciocínio semelhante a um humano. Eles não podem fazer escolhas, simplesmente porque não têm como refletir sobre as consequências dos próprios atos. Leões não planejam estrategicamente como irão matar suas presas a fim de terem lucro com isso, e tampouco consideram normal a condição de degradação de outros seres de sua própria espécie em prol da satisfação do luxo de outros poucos. Apenas o ser humano é capaz de ter estratégias para a exploração máxima de todos aqueles capazes de sofrer sem de fato considerar isso. Hoje, muito se fala sobre bem-estar animal, porém trata-se apenas de um modo mais refinado de justificar injustificáveis fins.

O bem-estar animal agrada a muitos, pois consegue suavizar o sofrimento e a culpa daqueles que sustentam a indústria da morte, e ajudam a aumentar os lucros através de medidas que teoricamente são adotadas para beneficiar os animais, mas que são norteadas pelo aumento da produtividade e qualidade do produto final. O limite do ‘bem-estar animal’ vai até onde o marketing e o lucro podem vislumbrar. É inacreditável que, para a grande maioria, ingenuamente, esse ainda seja visto como o caminho para o fim do sofrimento. O sofrimento animal apenas poderá ser reduzido quando criarmos coragem para defender o direito dos animais, através da abolição do consumo de seus corpos para a satisfação fugaz de nossos desejos egoístas.

* Denise Terra é formanda em Medicina Veterinária

http://vanguardaabolicionista.wordpress.com/2010/07/12/no-inferno-todos-vestem-roupas-brancas/

domingo, 30 de maio de 2010



Este é um teste.
Um homem entra num restaurante.
Bom, na verdade, um homem e seu cachorro, um filhote de labrador fofíssimo... daqueles que você tem que parar e fazer um carinho quando vê na rua ou num parque. Uma jovem recepcionista se aproxima e diz para o homem que é proibido entrar com cães no restaurante, inclusive na área do terraço. Aí, o cachorro lambe a mão dela. “Ele é tão fofo”, se derrete, e diz ao homem que libera o cão só dessa vez, mas ele tem que ficar no colo do homem. O homem sorri e ela lhe indica sua mesa.

Depois de um minuto, um garçon se aproxima. Ele também nota a presença do filhote, mas diz para o homem que o proprietário não vai se incomodar; o restaurante é novo e diferente. “Nós somos um estabelecimento moderno e ecologicamente correto”, diz com orgulho, explicando que só servem alimentos sustentáveis e de criação e abate humanitários. O homem diz que é por isso que ele foi jantar lá; ele é ambientalista e adora esse conceito.

O garçon deixa o cliente por alguns minutos e então volta: “já escolheu?” O homem, que nem chegou a olhar o cardápio, sorri e diz, “Sim, gostaria que você cozinhasse ele”, apontando para o cãozinho.

O garçon solta uma risada nervosa: “Nós não servimos cachorro nesse restaurante. Aliás, tenho certeza de que isso é ilegal”. Não, corrige alegremente o homem, é perfeitamente legal tanto aqui quanto em vários outros estados. “E”, acrescenta, “é a carne mais ecologicamente correta por aqui”.

O garçon se encolhe, confuso, enquanto o cliente continua: “Vocês priorizam os alimentos sustentáveis, certo?” O garçon afirma que sim. O homem explica que 5 milhões de cães e gatos são sacrificados em abrigos todo ano e sua carne simplesmente descartada. Ele adotou seu cão de um abrigo. “Se você quer um alimento local e sustentável, comer a carne de animais abandonados ganha de longe de animais criados em fazendas, abatidos e que depois têm sua carne transportada por aí. Mate-o humanitariamente, oras, exatamente como você diz que os outros animais servidos aqui são mortos”.

“Mas é um cachorro” insiste o garçon encarando o homem, “comê-los é totalmente diferente e isso é nojento. Cães são como a nossa família, são inteligentes, carinhosos, são como nós.” O homem rebate rápido, “Mas porcos são mais espertos que cães. Aliás, são tão inteligentes quanto uma criança de 4 anos. Galinhas demonstram traços incríveis de personalidade, desde curiosidade a timidez e orgulho, e elas formam estruturas sociais extremamente complexas. Vacas também têm personalidades individuais. Elas inclusive lambem você, assim como os cães fazem, pra demonstrar afeição. E eu tenho certeza de que você concorda comigo que em termos de medo e
sofrimento, tanto cães quanto porcos, galinhas e vacas são semelhantes.”

"Então, levando tudo isso em conta, diz o homem, qual é realmente a diferença se eu quiser comer esse cachorro?"

*Sua tarefa: Responder a pergunta do homem.*




*"Se os matadouros tivessem paredes de vidro todos seriam vegetarianos." *
*

(Paul e Linda Mc Cartney)
http://www.vidavegetariana.com

quarta-feira, 17 de fevereiro de 2010

O Homem e o Boi



Um anjo de longínquo sistema, interessado em conhecer os variados aspectos e graus da razão na inteligência Universal, pousou num campo terrestre e, surpreso ante a paisagem, aí encontrou um homem e um boi.

Admirou as flores silvestres, fixou os horizontes coloridos de sol e rejubilou-se com a passagem do vento brando, rendendo graças ao Supremo Senhor. Como não dispunha, todavia, de mais larga parcela de tempo, passou à observação direta dos seres que povoavam o solo, aferindo o progresso do entendimento no orbe que visitava.

Examinou as pupilas do homem e descobriu a inquietação da maldade. Sondou os olhos do boi e encontrou calma e paz. Usando o critério que lhe era particular, conclui de si para consigo que o boi era superior ao homem.

Consolidou a impressão quando, para experimentar, pediu mentalmente aos dois trabalhassem em silêncio.

O animal respondeu com perfeição, movimentando-se, humilde, mas o companheiro bípede gritou, espetacularmente, proferindo nomes feios que faria corar uma pedra. Um tanto alarmado, o anjo recomendou paciência.

O educado bisneto da selva continuou trabalhando, imperturbável e tolerante. Todavia, o irrequieto descendente de Adão estalou um chicote, ferindo as ancas do colaborador de quatro patas. Acabrunhado agora, diante da cena triste, o sublime embaixador pediu atitudes de sacrifício. O servo bovino obedeceu, sem qualquer relutância, revelando indiscutível interesse em ser útil, distraído das próprias chagas. O administrador humano, contudo, redobrou a crueldade, recorrendo ao ferrão para dilacerar lhe, ainda mais, a carne sanguinolenta. .. Sensibilizadíssimo, o fiscal celeste anotou o que supôs conveniente aos fins que o traziam e afastou-se, preocupado. Não atravessara grande distância e encontrou uma vaca em laço forte, com outro homem a ordenhá-la. Sob impressão indefinível, emitiu apelos à renúncia. A mãe bovina atendeu com resignação heroica, prosseguindo firme na posição de quem sabia sacrificar-se, mas o ordenhador, antes que o emissário de cima os analisasse, de perto, porque certa mosca lhe fustigava o nariz, esbofeteou o úbere da vaca, desabafando-se.

O funcionário dos altos céus, compadecido, acariciou a vítima que se movimentou alguns centímetros, agradavelmente sensibilizada. O tratador, porém, berrou desvairado, caluniando-a. .. - Queres escoicear-me, não é? - gritou, diabólico.

Ergueu-se lesto, deu alguns passos, sacou de bengala rústica e esbordoou-lhe os chifres. Emocionado, o anjo vivificou as energias da vaca, aplicando o seu magnetismo divino, rogou para ela as bênçãos do Altíssimo, empregou forças de coação no agressor, conferindo-lhe salutar dor de cabeça, efetuou os registros que desejava e retirou-se. Prestes a desferir voo, firmamento a fora, encontrou um gênio sublime da hierarquia terrena. Cumprimentaram- se, fraternos, e o fiscal divino comentou a beleza da paisagem. Não ocultou, porém, a surpresa de que se possuía. Relacionou os objetivos que o
obrigaram a parar alguns minutos na Terra e rematou para o irmão na pureza e na virtude: - Estou satisfeito com a elevação sentimental das criaturas superiores do Planeta. Cultivam a generosidade, renunciam no momento oportuno, trabalham sem lamentações e, sobretudo, auxiliam, com invulgar serenidade, os inferiores. O anjo da ordem terrestre silenciou, espantado por ouvir tão rasgado elogio aos homens. O outro, no entanto, prosseguiu: - Tive ocasião de presenciar comovedores testemunhos. Pesa-me confessá-lo, porém: não posso concordar com a posição dos seres mais nobres da terra, que se movimentam ainda sobre quatro pés, quando certo animal feroz, que os acompanha, agressivo, já detém a leveza do bípede. Naturalmente, sabe o Altíssimo o motivo pelo qual individualidades tão distintas aqui se encontram, unidas para a evolução em comum... Tenho, contudo, o propósito de apresentar um relatório minucioso às autoridades divinas, a fim de modificarmos o quadro reinante.

Assinalando- lhe os conceitos, o companheiro solicitou explicações mais claras. O anjo estrangeiro convidou-o a verificações diretas. O protetor da Terra, desapontado, esclareceu, por sua vez, ser diversa a situação: o bípede é na crosta Planetária o Rei da inteligência, guardando consigo a láurea da compreensão, sendo o boi simples candidato ao raciocínio, absolutamente entregue ao livre-arbítrio do controlador do solo. Acentuou que, não obstante operoso e humilde, o cooperador bovino gastava a existência servindo para o bem, e acabava dando os costados no matadouro, para que os homens lhe comessem as vísceras... O forasteiro dos céus mais altos, sem dissimular o assombro, considerou:

- Então, o problema é muito pior... Pensou, pensou e aduziu:

- Jamais encontrei um planeta onde a razão estivesse tão degradada.

Despediu-se do colega, preparou o afastamento definitivo sem mais delonga e concluiu:

- Apresentarei relatório diferente. Mas ainda não se sabe se o anjo foi pedir medidas ao Trono Eterno para que os bois levantem as patas dianteiras, de modo a copiarem o passo de um herói humano, ou foi rogar providências aos Poderes Celestiais a fim de que os homens desçam as mãos e andem de quatro, à maneira dos bois...

(De "Luz acima", de Francisco Cândido Xavier - Irmão X)